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A "carta-padrão" e a má educação institucional dos Governos

Wilson da Costa Bueno*

     Você alguma vez já recebeu de empresas e órgãos do Governo (ou governos) uma "carta-padrão"? Ou sabe pelo menos o que é uma "carta-padrão"? Puxa, se não sabe, posso explicar, mas, se não recebeu, torça para não receber.
     "Carta-padrão" é um instrumento moderno de gestão organizacional e tem ver a má educação institucional de parte de nossas empresas e órgãos governamentais. Na prática, ela se manifesta de várias formas e em várias situações, mas para nós, jornalistas, consultores, palestrantes ou simplesmente "pessoas de fora do sistema" representa um verdadeiro tapa na cara .
      A "carta-padrão" com a qual mais tenho mantido contato (absolutamente desagradável) diz respeito a "orientações de viagem" e é remetida para pessoas que prestam serviços ou mesmo colaboram com determinadas empresas e órgãos do governo e que vão depender do apoio deles para pagamento de despesas de hotel, alimentação, transporte etc. Ela surge do nada e acaba anexada em um e-mail que chega na sua caixa postal . Basta abri-la para ser contaminado com o vírus da falta de educação.
      O que diz ela nesses casos? Vamos resumir, tentando manter o tom: " Se você pensa que vai rasurar o recibo do táxi para enganar o Governo, esqueça, não aceitamos". Se você vai tomar algo no frigobar do hotel (mesmo que esteja morrendo de sede), esqueça, não pagamos". "Sabemos que você tem a intenção de enrolar a gente e, portanto, estamos de olho em você, aqui não". Ou seja, algumas empresas e órgãos do Governo (ou governos) antecipadamente advertem que já estão acostumados a tratar com pessoas mal intencionadas, desonestas e que, como você até prova contrário é uma delas, já está avisado. "Não vem que não tem, dizem eles, somos especialistas em gente desonesta e vacinados contra qualquer tipo de fraudes. "Um tapa na cara sem aviso prévio e pronto.
      Na verdade, a gente entende ou pensa que entende. Vai ver que nesse ambiente contaminado o caráter anda mesmo em falta e a ética não é certamente um atributo muito cultivado. Eu sei, as pessoas seguem as ordens do sistema, tem alguém lá em cima ditando regras, leis, normas, portarias que é a única coisa que eles sabem fazer (ou pensam que sabem porque há um montão de gente fazendo bandalheira o tempo todo nos governos).
      Está na hora de algumas empresas e órgãos do governo iniciarem a revisão dos conceitos porque o paradigma (pelo menos quando a organização é educada) é outro. Todo mundo deve ser tratado com respeito e fica feio duvidar a priori da idoneidade das pessoas e julgá-las pelas lentes internas. Sabemos que , em Brasília e em outras cidades menos votadas, o puxa-tapete é constante, há altos e baixos cleros e chega ser mesmo recomendável andar com o traseiro blindado para pontapés institucionais, mas a gente que está fora disso deve ser poupada. Nem todo mundo freqüenta os mesmos currais ou anda se refastelando no mesmo esterco institucional.
      Evidentemente, estamos tomando cuidado para não generalizar e, se voltar a ler este artigo até aqui, perceberá que falamos de algumas empresas e não de todas as empresas ou órgãos do governo. Há empresas, órgãos, institutos do Governo (ou governos) que têm um alto astral, recebem bem e respeitam os seus convidados e visitantes , tidos como o referência no ambiente organizacional. Tem, como a gente diz no interior, a educação que vem do berço. Mas para quem nasceu no estaleiro e não tem vocação para menino Jesus, fica difícil adotar esta postura.
     É estranho que ainda existam organizações, no século XXI, com uma gestão de pessoas caracterizada pelo "DNA de cavalaria" e ficamos pensando se serão descendentes daquele presidente que adorava cheiro de cavalo e dava coices a todo momento. A diferença, hoje em dia, é que os comandantes têm uma voz mais suave e praticam o que, contraditoriamente, podemos designar de "má educação cordial". São cavaleiros, amazonas (ou serão montarias?) de voz mansa. Também relincham e urram, mas usam ternos bem cortados e vestidos de grife.
      A administração pública necessita, urgentemente, exorcizar esse cancro institucional, enxergando as pessoas com a atenção devida, sobretudo aquelas que são convidadas, prestam colaboração ou favores e estão dispostas a contribuir para que o Governo (ou os governos) dialogue mais saudavelmente com a sociedade. Ela precisa de mais relações públicas competentes e de menos chefes de gabinete ou chefes de pessoal truculentos. Deveria fazer licitação para um curso de capacitação em educação institucional. Precisa enxergar o outro sem preconceito, não lhe imputando previamente seus defeitos e suas mazelas.
      Freud talvez explique a situação: depois dos "anões do Orçamento", mensaleiros, Marcos Valérios , relações promíscuas com "ONGs" de fachada e até sacanagem das grossas com o dinheiro que deveria ser utilizado para melhorar a saúde dos irmãos indígenas, deve ficar mesmo a impressão para algumas empresas e órgãos dos governos (e dos que os controlam) de que só tem bandido neste mundo. Vai ver que o ar anda mesmo irrespirável em algumas destas empresas e órgãos dos governos e eles imaginam que o cheiro vem de fora, daí a repulsa aos visitantes.
      A administração pública precisa passar imediatamente por uma terapia institucional ou, se o problema é mesmo de cavalaria, contratar, em regime de urgência, um especialista para o adestramento da tropa ou pelo menos para diminuir o poder de corte da ferradura organizacional.
      O Governo ( e os governos), com as exceções de praxe, anda mal educado, com mania de perseguição, e vê emboscada em cada canto, pistoleiro em cada porta. Calma, temos efetivamente um problema de segurança e de falta de caráter, mas algumas empresas e órgãos do governo não deveriam cultivar a "comunicação da bala perdida" ou a "comunicação do fogo amigo". Esse negócio de dar tiro pra todo lado não funciona na comunicação organizacional do século XXI. Será que eles sabem que há gente honesta do outro lado do muro?
      Seria interessante que a comunicação pública (a gente sabe que o problema é a administração pública e não os profissionais de comunicação, mas deixa lá) revisasse alguns de seus instrumentos de relacionamento com os públicos de interesse, a começar pela fedorenta "carta-padrão". Seria melhor que algumas empresas e órgãos do Governo (ou governos) lavassem a roupa suja em casa antes de fazer o convite para que fôssemos visitá-los porque corremos o risco de encontrar os anfitriões ou a toalha da mesa cheirando a estrume.
      Já passei por cada sufoco no contato com empresas e órgãos do Governo (ou governos) e achei que poderia contribuir sugerindo uma reflexão e uma mudança, como faço agora. Se o tom é pesado é porque, dependendo do caráter do cavalo, muitas vezes é necessário mesmo usar o chicote ou as esporas. Aquela má educação no atendimento em órgãos públicos, de que sobretudo as pessoas menos favorecidas reclamam tanto, está avançando por todas as esferas e pode tornar-se, se ninguém fizer nada para contê-la, em uma verdadeira epidemia institucional.
      Se você ainda não teve essa experiência desagradável, não recebeu ainda uma "carta-padrão", não conte vantagem (sempre existirá essa chance), mas parabéns pela sua sorte.
      No ano dos Jogos Panamericanos, por "um erro de logística", segundo a assessoria de imprensa da empresa em questão, recebi um brinde - que não pedi- de uma formidável empresa estatal embrulhado em plástico bolha, sem procedência, certificado de garantia, o que evidenciava tratar-se de produto apreendido em contrabando (não sabia que a Petrobrás fabricava microgravador!). Chegou sem qualquer correspondência da empresa, apenas uma bela caixa de sedex comemorativa dos Jogos na cidade. Devolvi imediatamente porque tenho como norma não servir como receptor de coisas roubadas ou apreendidas, o que é a mesma coisa. Outro exemplo flagrante de má educação institucional, mas às vezes isso acontece porque em algumas organizações nem sempre é apenas o combustível que anda sujo, mas também a cultura. Nesse caso, ela merecia mesmo ser excluída do ISA da Bovespa, aliás onde nunca deveria ter entrado com essa gasolina e esse diesel sujinhos.
      Vamos inserir a administração pública no mundo educado? Vamos abolir a carta-padrão e dar um banho ético pra valer nestas empresas e órgãos que andam trotando, relinchando contra a comunicação organizacional?
      Você deve estar perguntando de quem será que eu recebi a última carta-padrão, mas prefiro poupar os colegas que me atenderam tão bem no local do evento, entendendo que a culpa é mesma da cultura organizacional que tem um DNA de "cavalgadura". Só posso dizer, depois destas viagens todas, que , hoje em dia, para viajar de São Paulo para o Norte brasileiro é preciso muita energia. Não há Eletronorte que dê jeito.
      Em tempo: só tenho ojeriza a jumentos e cavalos institucionais. Os animais de verdade são dignos de todo o respeito. Os clones humanos é que saíram imperfeitos e andam desmerecendo a espécie. Pelo que parece, estão se concentrando em Brasília e arredores, mas já podem ser vistos na Bahia (alguns caciques por lá deixaram filhotes pai d`égua) ou Belém. São Paulo, onde vivo, também já tem alguns exemplares notáveis. Mas aqui temos uma desculpa: somos terra de bandeirantes e a tropa passava sempre por aqui. Alguns asnos institucionais nos legaram seus descendentes.

Em tempo 1: O problema, certamente, não se limita ao Governo (ou governos) e tem a ver com o Tribunal de Contas e/ou outra instância superior que partem do pressuposto de que todo mundo é bandido até segunda ordem (eles devem conhecer bem com quem eles costumam tratar e devem ter espelho - e dos grandes - em casa). Mas enquanto eles se preocupam com a água no frigobar, a corrupção corre solta, vazando por todos os poros da administração pública. Sobra truculência e falta inteligência. A burrocracia continua.

Em tempo 2: se viajar de avião para prestar um favor para o Governo (ou governos) em Rondônia, guarde o ticket da ida e da volta. Eles lá podem pensar que você voltou a pé para São Paulo e que agora vai querer faturar o dinheiro da passagem. A lógica da idiotice está no DNA de boa parte da administração pública.

Em tempo 3: os servidores públicos são, em geral, gentis (há também os que desvirtuam a categoria sofrida, mas para mim são exceções) e ficam constrangidos, como nós, com essa falta de confiança e essa burrice organizacional. São as maiores vítimas da falta de educação institucional porque estão sempre, para quem fiscaliza, como os principais suspeitos.

Em tempo 4: Não se muda a comunicação pública se a administração pública continuar desta forma: inoperante, atrasada, burocrática, uma burrice legitimada por concurso. E há comunicadores públicos (muitos, muitos) do melhor quilate, desses para os quais a gente tiraria o chapéu. É pena porque sofrem muito, com certeza, com o barulho dos relinchos e urros e o barulho dos cascos. Minha homenagem a todos por esta paciência de Jó.

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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
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